terça-feira, 1 de março de 2011

Promoção da justiça x promoção do status quo


O direito é fato social produzido e condicionado pelas relações sociais, que ao mesmo tempo interfere na conformação de uma nova realidade, produzida dia a dia. Como ciência social só mantém os critérios de validade se incorporar a dinâmica da sociedade. E, como instrumento de regulação, somente será justo se concorrer para a promoção do equilíbrio social.

A Constituição Federal de 1988, respondendo às exigências da sociedade brasileira, consagrou em seu texto a cidadania, o valor social do trabalho e a dignidade da pessoa humana como fundamento do estado democrático de direito. Mais ainda, elevou os direitos sociais à categoria de direitos fundamentais.

O ordenamento jurídico nacional garante ainda à sociedade uma estrutura com autonomia e independência funcional, para defender a ordem jurídica, a democracia, os interesses sociais e individuais indisponíveis, que é o Ministério Público.

Os operadores do direito, em nossa pátria, têm diante de si a possibilidade e o grande desafio de contribuir para a promoção da justiça, mas para isso é preciso conhecer além dos códigos. É necessário conhecer e compreender a realidade brasileira em seus múltiplos aspectos, inclusive de classe. Sem tal compreensão e conhecimento a noção de justiça não adquire materialidade.

Por isso mesmo, as sentenças, pareceres e despachos extraídos das lides nos dão outra impressão. Ao invés de traçar caminhos para a promoção da justiça, o que se presencia nos tribunais são atos concorrentes apenas para a manutenção do status quo, como se a este nada se pudesse opor.

Nos conflitos que envolvem seguimentos sociais e a gestão pública, a solução jurídica nem sempre se traduz em promoção da justiça. Ao contrário, muitas vezes mais se aproxima da promoção do “nada a opor”, do seguir como está.

Nos conflitos entre servidores públicos e a gestão municipal de Parnamirim/RN, várias decisões têm como fundamento a negação do direito à organização sindical, como se este fosse um direito de valor menor.

Na greve dos educadores deste município, em 2010, o Poder Judiciário foi buscar nos princípios da essencialidade e continuidade dos serviços públicos o fundamento para obrigar os professores a retornarem ao trabalho. Os mesmos princípios deveriam ser invocados para obrigar o gestor a garantir a educação pública de qualidade para todos, o que não ocorre.

No Mandado de Segurança impetrado pelo Sindicato dos Servidores Públicos de Parnamirim/RN – SINTSERP, em busca de restabelecer o direito de acesso aos trabalhadores em educação, a sentença surpreendeu novamente.

Por ocasião da mesma greve já mencionada, diretores de escolas - não eleitos pela comunidade escolar mas nomeados pelo Prefeito -, proibiram o acesso dos diretores do Sintserp ao interior das escolas. A sentença que julgou tal fato justificou a ação dos diretores de escolas na “autonomia administrativa” e no “dever” de garantir o direito das crianças aos serviços de educação.

Dessa forma, negou o reconhecimento ao mais elementar direito do trabalhador, ou seja, se organizar e reivindicar a conquista de sua dignidade, por meio de uma pauta de reivindicações referendada pela coletividade daqueles servidores, encaminhada por sua legítima representação de classe: o Sindicato.

Chama a atenção ainda, a argumentação do Ministério Público ao pedir a absolvição dos vigilantes que agrediram professores em greve, nas instalações da Prefeitura. Para o órgão ministerial, os dois vigilantes - armados com tonfas -, agiram em legítima defesa, contra a “agressão iminente” de uma professora desarmada, cujo ação ameaçadora se caracterizou por insistir em entrar naquele prédio.

Na mesma peça, a representante do Ministério Público afirma que o gestor pode impedir o cidadão de ingressar nas dependências daquele prédio, por ser bem de uso especial, sem qualquer justificativa ou ato formal. Qual seria o fundamento para tal atitude?

Em obediência ao princípio da essencialidade do serviço de educação e da continuidade da prestação de serviço, não caberia alguma ação do Ministério Público - legítimo fiscal da sociedade e guardião da democracia -, para obrigar o gestor a garantir o funcionamento de escolas municipais que permaneceram paradas em 2010, por falta de estrutura?

A administração pública tem objetivo e fundamento específicos, mas só poderá agir em obediência aos objetivos e fundamentos da Carta Magna, dos quais se destacam a promoção da justiça e a defesa da dignidade da pessoa humana.

A administração pública, nos termos da Constituição Federal, obedece aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência. Sendo assim, é inexistente o ato da administração que não observa os princípios, listados acima, como proibir o acesso de trabalhadores em greve à sede do governo municipal, sem qualquer justificativa.

A legislação prevê e a doutrina ensina que na aplicação do direito, o conflito entre normas e princípios se resolve pela aplicação dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, mediada pelo princípio da ponderação, jamais pela negação de princípios, principalmente quando a defesa da dignidade da pessoa humana se impõe. Como e onde identificar proporcionalidade e razoabilidade nas decisões listadas acima?

A sociedade e os cidadãos são produtores e destinatários do direito. Mas, a garantia da promoção da justiça não se efetiva sem o controle e a pressão social.



Direção do SINTSERP

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